Juíza: Estado é conivente com humilhação de preso pela imprensa


Em 10 de maio, o programa Brasil Urgente Bahia exibiu, e a Band reprisou nacionalmente, a matéria Chororô na delegacia: acusado de estupro alega inocência, da repórter Mirella Cunha. Porém, só a partir de 21 de maio, quando o vídeo caiu nas redes sociais, o episódio ganhou repercussão nacional.
Um grupo de jornalistas enviou carta aberta ao governador, ao Ministério Público e à Defensoria Pública do Estado condenando os abusos de programas policialescos na Bahia.  O Ministério Público Federal decidiu investigar o caso.


A doutora Kenarik Boujikian Felippe, que é co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para  a Democracia (AJD), desembargadora no Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-membro do Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, lamentou o episódio. “É pior do que havia lido”, reagiu, no ato. 


Confira a seguir trechos da entrevista concedida ao VioMundo.
Se tivesse de dar uma nota para a entrevista feita pela repórter da Band e os comentários do apresentador do programa, que também é jornalista, qual seria?
Zero para o Jornalismo, zero para o Estado.
Por quê?
O Jornalismo e o Estado não cumpriram a regra essencial da Constituição Federal: a dignidade humana é fundamento da República, que se constitui  em um Estado Democrático de Direito.
É inaceitável, em pleno século XXI, um jornalista  tratar um ser humano sem o menor respeito, como se estivéssemos na Inquisição. Se  jornalistas, com a co-responsabilidade das empresas para qual  trabalham,  atuam com este proceder, só o fazem porque existe a conivência dos órgãos de Estado.

Legalmente, a polícia pode expor um preso assim?
Ninguém, muito menos a polícia e as demais instituições estatais, pode expor uma pessoa de forma  humilhante, seja ela quem for, seja ela suspeita ou autora de crime. A nossa Constituição Federal, no artigo 5º,  assegura aos presos o respeito à integridade física e moral e o direito de personalidade.
No tocante ao Jornalismo, este repulsivo episódio me faz lembrar as palavras de Francisco José Karam (Jornalismo, Ética e Liberdade): é necessária a defesa da “vinculação da realização ética da profissão com medidas efetivas para a democracia informativa nos meios de comunicação, incluindo políticas que favoreçam a segmentação do mercado, a diversificação da propriedade, o controle social sobre a mídia existente hoje e o acesso plural aos meios”.
Sem essas medidas, dificilmente os graves problemas pelos quais passa o jornalismo brasileiro serão superados.

No Brasil, nós temos o Código de Ética, que lista uma série de deveres para os jornalistas.
O que torna mais grave esse episódio. De acordo com artigo 6º do Código de Ética, é dever do jornalista, entre outros: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; valorizar, honrar e dignificar a profissão; respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão; defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito; defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias. Como não bastasse isso, dita o artigo 9º  do  mesmo Código de Ética, que a presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística. As imagens e o conteúdo da entrevista demonstram cabalmente que foi feita tábua rasa desses princípios, pois o que todos viram foi barbárie.

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