Por Felipe Bianchi
“Os blogueiros têm
desempenhado um papel fundamental na construção de uma outra
narrativa e de uma outra interpretação do Brasil, diferente do que
predomina nos grandes meios de comunicação”, afirmou Emiliano
José, nesta sexta-feira (24), durante a abertura do II Encontro de
Blogueiros e Ativistas Digitais de São Paulo.
O Secretário de
Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das
Comunicações contou com a companhia de Simão Pedro, Secretário
Municipal de Serviços da Prefeitura de São Paulo, e Altamiro
Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão
de Itararé. O tema proposto pelo #2BlogProgSP, 'A comunicação como
direito humano', foi o norte do bate-papo com mais de 70 jornalistas,
blogueiros, ativistas digitais, sindicalistas e estudantes presentes
na sede do SindSep - Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e
Autarquias do Munícipio de São Paulo.
Representante do
Ministério das Comunicações, Emiliano José falou sobre a
posição do ministro Ricardo Berzoini e explicou a agenda para a
regulação da mídia. “Berzoini sabe que é absolutamente
essencial abrir um amplo debate público sobre o tema. Não será
apresentado nenhum projeto prévio e todos os setores serão
convidados a enfrentar essa discussão”, diz. “Já ouvi ele
afirmar isso, inclusive, em reunião com a Abert [Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, entidade patronal do
setor]”.
De acordo com ele, deve
ser estabelecido um cronograma de debates já a partir do primeiro
semestre. “Além da discussão nacional em torno do da regulação
do setor, há a pretensão, por parte do Ministério das
Comunicações, de fazer um cotejamento em relação às experiências
internacionais de regulação, como nos Estados Unidos, em Portugal e na
Inglaterra, que deveria ser considerada 'bolivariana', já que
regulou, recentemente, até a mídia impressa”, acrescenta.
Salientando que, se a
Constituição fosse cumprida à risca, teríamos uma mídia muito diferente, o parlamentar acredita que o
Projeto de Lei daMídia Democrática, de Iniciativa Popular, pode ser fundamental
nesse processo. “A grande mídia brasileira sempre foi coerente,
pois tem lado”, ironiza. “O que queremos é que, além dos atores
da grande mídia, existam outros. Que tenhamos uma mídia que seja
capaz de expressar a complexidade, a riqueza e a diversidade da
sociedade brasileira”.
Desburocratização
e políticas imediatas
Emiliano José
aproveitou o Encontro para falar sobre o que o Ministério das
Comunicações “pode e já está fazendo”, independente da
regulação do setor. “Anunciaremos, nos próximos dias, três
Planos Nacionais de Outorga: um para Rádios Comunitárias, um para
Rádios e TVs educativas e um mais ousado, para Rádios Comunitárias
em assentamentos quilombolas e indígenas”.
O Canal da Cidadania
também está à disposição da sociedade, ressalta.
“Em resumo, funciona assim: o prefeito pede o canal e aí, além do
canal da Prefeitura, recebe mais dois canais para a sociedade civil,
que serão ocupados de acordo com determinados critérios.
Segundo ele, 320 municípios solicitaram o Canal da Cidadania, menos
de 10% do que está disponível. “A demanda, surpreendentemente,
ainda é baixa. O de Fernando Haddad, no entanto, já está em
andamento”, registra.
A ideia dessas
iniciativas, segundo ele, é desburocratizar a pasta e acabar com a
“cultura do não” que impera no Ministério. “De 33 documentos
necessários para outorgas de rádios comunitárias, diminuímos para
10”, exemplifica. Apesar dos avanços pontuais, Emiliano José
admite que a luta para regular o setor é árdua e só a pressão da
sociedade civil pode chacoalhar o governo. “Encontros como
esse são essenciais pelo que representam de densidade na formulação
e compreensão desse processo.”
São Paulo digital
Apesar de atuar em
áreas diversas, como a limpeza, a coleta e a iluminação da cidade,
Simão Pedro, secretário de Serviços do município, tem muito a
dizer sobre comunicação: sob seus cuidados, as Praças Digitais do
projeto WiFi Livre SP levaram conexão banda larga gratuita e de
qualidade para 120 praças de São Paulo.
“Quando lançamos o
projeto, fomos ridicularizados e nos diziam que era um projeto
impossível”, recorda. “Imaginamos implantar WiFi grátis em
cinco ou seis praças, de início. Hoje, são 120, da aldeia guarani
em Parelheiros até a distante Marsilac, algo único no mundo”,
assinala. “Temos discutido muito como ampliar ainda mais, mantendo
a qualidade que é oferecida".
Além de fornecer
condições para o acesso à Internet, Simão Pedro opina
que a novidade pode ser uma grande ferramenta para a democratização
da comunicação: “Uma de nossas metas é estimular a realização
de fóruns, debates e aulas públicas nestes espaços”.
Ele ainda opina que o monopólio da mídia um instrumento estratégico para as classes
dominantes. “Monopolizar a comunicação garante a disseminação
das ideias dominantes que, como sabemos, não atendem aos interesses
da maioria do povo brasileiro”, argumenta. “Daí a importância
de nos reunirmos no II Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais de
São Paulo e debatermos a democratização do setor”.
Mídia brasileira
nega os direitos humanos
Para Altamiro Borges, a
atuação sem regras e sem limites da mídia no Brasil constitui uma
verdadeira negação dos direitos humanos. “Para que a comunicação
seja um direito, é preciso que haja liberdade de expressão
para todos e todas”, defende. “O que o monopólio de mídia faz é
castrar a liberdade de expressão”.
Para elucidar, o
jornalista lista alguns movimentos dos grandes meios de comunicação.
O primeiro é tornar invisível as lutas dos trabalhadores e
criminalizar os movimentos sociais. “Tivemos, nesta sexta-feira, 50
mil professores na Praça da República, mas a greve da categoria é
ignorada pela mídia. Quando mencionada, é para reclamar que está
congestionando o trânsito, mas se for por impeachment, não tem esse
problema”, destaca. “Na greve do Paraná, o mesmo expediente: o
estado sumiu do mapa de repente, até porque a greve era contra o tucano Beto
Richa”.
Além disso, o tema da
terceirização também ajuda a compreender a postura serviçal da mídia. “Editoriais da Folha, do Estadão e de O Globo
defendem a terceirização mentindo, dizendo que a lei melhora a
situação do terceirizado. Muito jornalista que é pessoa jurídica,
inclusive, que já é terceirizado, repete esse discurso imbecil”,
exclama.
O episódio da
condecoração a João Pedro Stedile, do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), por parte do governador de Minas Gerais,
Fernando Pimentel, também foi lembrado. “A Veja e o Jornal da Band
produziram matérias 'escrotas', chamando Stedile de bandido”,
critica. “Stedile foi recebido pelo Papa Francisco no Vaticano.
Quero ver o Papa receber um Mesquita ou um Frias”.
Outro elemento que
Altamiro Borges traz à tona é o que Claudio Lembo nomeou 'ditadura
da toga', ou seja, uma ditadura do Poder Judiciário. “A presunção
da inocência, que está na Constituição, vem sendo substituída,
quando convém, pela presunção da culpa”, sendo que “a mídia
tem papel crucial nesse processo”. Os meios de comunicação, de
acordo com ele, destruíram a imagem de Marice Correa de Lima,
cunhada de João Vaccari. Neto. “O que Moro, premiado pela Rede
Globo, fez com a cunhada de Vaccari, prendendo-a sem nenhuma prova, é
um crime. E agora? Como isso passa batido?”, questiona.
Por fim, a questão da corrupção.
“O problema da mídia no combate à corrupção é simples: é um
combate falso e seletivo”, sentencia. “A corrupção tem que ser
combatida. Tem que apurar e prender. Se alguém se embasbacou com o
poder, ergueu o nariz e roubou, azar”.
Os casos do HSBC e da
Operação Zelotes ilustram a tese do blogueiro. “Tivemos,
recentemente, a denúncia na França da sonegação de bilhões de
dólares através de um esquema do HSBC na Suíça. Muitos
brasileiros estão envolvidos. Alguem vê destaque na mídia? Os
herdeiros da Folha de São Paulo, gente da família Saad (Band) e
gente ligada à Veja estão na lista”. Na Zelotes, de novo, o mesmo
roteiro: “Trata-se de um mecanismo impressionante de sonegação e
desvio de dinheiro. A RBS, filiada à Globo, está na lista. Cadê a
repercussão da corrupção?”.
Pressão pela
democratização
Assim como Emiliano
José, Altamiro Borges aposta na pressão dos movimentos sociais para
forçar a pauta da democratização da comunicação.“Vivemos uma
situação contraditória”, opina. “Dentro do governo, as
condições nunca foram tão boas para levar a cabo a regulação da
mídia. O time montado no Ministério das Comunicações, no
Ministério da Cultura e na Secretaria de Comunicação da
Presidência (Secom) são espetaculares e estão a fim de enfrentar
esse debate, atrasadíssimo no país. Porém, ao mesmo tempo, a
situação política é a mais desfavorável possível – inclusive,
por culpa do governo”, pontua. “Por não disputar a hegemonia de
ideias na sociedade, permitiu-se a eleição do Congresso mais
conservador da história”.
O que fazer? Aumentar
muito a pressão e intensificar a luta. “Descomemorar o aniversário
da Globo (dia 26 de abril), coletar assinaturas para o Projeto de Lei
da Mídia Democrática e mobilizar a sociedade para uma nova
Conferência Nacional da Comunicação (Confecom) são alguns
caminhos”, finaliza.
Encontro segue no sábado (25)
O #2BlogProgSP continua no sábado, com transmissão feita pela TVT e reproduzida nesta página e no site do Barão de Itararé (http://www.baraodeitarare.org.br). Confira a programação do segundo dia do evento:
9h – Democratização da Comunicação Social, seus impactos e sua importância para a democracia
- Guilherme Boulos – coordenador nacional do MTST
- Laura Capriglione – Jornalistas Livres
- Laurindo Leal Lalo Filho – Sociólogo, jornalista e professor de jornalismo
- Mediadora: Conceição Oliveira – Blog Maria Frô
10h30 – Mesa: Marco Civil da Internet: regulamentação e desafios
- Renata Mielli – Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé
- Veridiana Alimonti – Intervozes
- Ronaldo Matos – Blog Desenrola e Não Me Enrola
- Mediador: Eduardo Guimarães – Blog da Cidadania
13h – ALMOÇO
14h – Desconferências – Tema: Direitos Humanos no Brasil
(serão realizadas simultaneamente)
1ª: A periferia e o jornalismo comunitário
- Aline e Thiago – Periferia em Movimento
- Thais – Desenrola e Não Me Enrola
- Paulo Ferraz Simões – Rádio Comunitária Itaquera
- Mediador: Renato Rovai – Revista Forum
2ª: Mídia e minorias: questões de gênero e racismo
- Márcia Cabral – ativista do Movimento Negro e LGBT
- Rachel Moreno – Psicóloga e pesquisadora
- Dennis de Oliveira - Quilombação
- Mediadora: Preta Rara – Nação Hip Hop
3ª: Mídia e a violência de Estado
- André Caramante – Reporter investigativo, atua com ênfase nas áreas de segurança pública e direitos humanos.
- Marcio Sotelo Felippe – Jurista
- Adriano Diogo – Comissão Estadual da Verdade da Democracia "Mães de Maio"
- Mediadora: Lira Alli - Levante Popular da Juventude
15h30 – Fechamento das desconferências
15h45 – Mesa final: Mídia e conjuntura
- Rodrigo Vianna – Blog Escrevinhador
- Luís Nassif – Portal GGN
- Palmério Dória – Jornalista e escritor
- Mediadora: Conceição Lemes – Blog da Saúde (Viomundo)
18h – ENCERRAMENTO
*sujeita a alterações
Local
Sindsep – Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias do Município de São Paulo.
Rua Barão de Itapetininga, 163 – 2º andar
Centro de São Paulo.