Por Felipe Bianchi
Para os jornalistas Palmério Dória, Luis Nassif e Rodrigo
Vianna, o recrudescimento conservador pelo qual passa a sociedade brasileira e
que é intensificado pela mídia não vingará. Em debate que encerrou o II
Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais, eles deixaram suas impressões
sobre a conjuntura e traçaram paralelos
do atual momento com os anos de 1954 e 1964. No entanto, praticamente descartaram a
hipótese de um triunfo golpista no país.
Rodrigo Vianna, autor do blog
Escrevinhador, leu em voz alta uma citação e questionou os mais de 100
presentes a descobrirem a qual jornalista pertencia o texto. Reinaldo Azevedo foi
o primeiro a ser apontado, mas o texto era de Carlos Lacerda, em forte ataque
ao “governo imoral e ilegal” de Getúlio Vargas, como diz o trecho. “Acho que o
cenário remonta até mais à essa época do que à 1964”, opina Vianna. “Os
jornais estavam desesperados para derrubar Vargas, mas não tinham claro o que
queriam, assim como a oposição partidária atual não tem clareza de qual projeto
pode apresentar ao país”.
Ele lista uma série de semelhanças
entre a atuação dos meios de comunicação àquela época e agora, como os ataques
às medidas populares de Vargas, “que tachavam ‘peronista’”, como o aumento do
salário mínimo e as leis trabalhistas e as políticas populares dos últimos 12
anos.
O próprio Fernando Henrique Cardoso, recorda o blogueiro, já
disse que faz falta no Brasil um Carlos Lacerda. “Hoje tem uns cinco, dez, quinze
Lacerdas fazendo essa agitação, mas não conseguem levantar debate porque só
sabem fazer acusações histriônicas”, diz.
A comparação com 1964, de acordo com os debatedores, também é
inevitável. O papel da mídia, que cercou o então presidente João Goulart, foi
um dos elementos mencionados, assim como à classe média indo às ruas com um
discurso histérico e extremamente moralista.
“O fato de não haver tanques de guerra na rua não significa
que a democracia não esteja sob risco”, ressalta Vianna. “Mas não acho que essa
barbárie vencerá a massa crítica e os movimentos sociais brasileiros, que têm
instrumentos para equilibrar a balança”.
A crise dos jornais e
o poder da Internet
Luis Nassif, do Portal GGN, recorre à história para elucidar
o cenário dos meios de comunicação na atualidade. “Primeiro, amedronte o
cidadão. Depois, tranquilize-o com um ‘cacetete de jornal’. Ou seja, crie uma
ameaça fantasmagórica e desesperadora e, na sequência, crie super-heróis que
ajudarão a matar o monstro. Essa análise, acreditem, é de um estadunidense em
1920”.
O poder da mídia, argumenta Nassif, está enraizado na lógica
do ‘homem inferior’, o cidadão típico da classe média. “Esse cidadão é
facilmente manipulado em momentos como o que vivemos hoje”, afirma. “O que move
a maioria silenciosa é o desconforto com a situação. Como a mídia só mostra
notícia negativa, causa grande mal estar, mas não vejo uma questão tão
ideológica assim”, pondera. “É verdade que o Congresso que aí está parece não
ter sido eleito para governar e, sim, para legislar, mas tenho reservas quanto
a esse proclamado avanço da direita”.
Assim como a chegada do rádio no Rio de Janeiro provocou crise ao quebrar o monopólio dos jornalões, a Internet chacoalha as estruturas
dos grandes grupos de comunicação, aponta. “A Internet é uma tecnologia que a
mídia tradicional não pode controlar e, por isso, entram em pânico. Não existem
mais barreiras de entrada, como existe nas empresas tradicionais de comunicação”.
Mais que a opinião pública, a democracia depende, fundamentalmente,
da opinião publicada, defende Nassif. “São dois públicos básicos: a classe
média estabelecida e os novos incluídos, sindicatos e movimentos sociais.
Antes, o modo de divulgação desse segundo público eram os jornais, com os mimeógrafos. Agora, estão presentes na Internet”.
Os jornais, conforme argumenta, perderam a supremacia da
audiência. “São os mais fortes, mas não têm o mesmo poder”, dispara. “Essa
bronca com os blogs e as merrecas que recebem só serve para pressionar pela
redução do ritmo de publicidade na Internet, que acaba dirigindo todo o
dinheiro para a Globo e para a TV aberta”.
Palmério Dória, autor de ‘O Príncipe da Privataria’, também
mostra entusiasmo com o fortalecimento da blogosfera e das mídias alternativas
no cenário digital, mas critica a inércia do governo em tomar medidas para
democratizar o setor. “Lula e Dilma não fizeram o dever de casa. Não dá pra ficar
esperando de braços cruzados o governo entrar na questão fundamental da regulação da mídia”, assinala. “Somos todos reféns da grande imprensa, como
mostra esse movimento de rua das elites, provocado e amplificado pela mídia”.
Com vasto currículo na imprensa, inclusive nos meios
alternativos, Dória lista algumas de suas parcerias ao longo da história, como
um programa de rádio com Lúcio Flávio Pinto, em Belém. “Depois,
encontrei minha turma em São Paulo, que eram os filhos da revista Realidade”,
relata. Ele também lembra de Tarso de Castro, no Rio de Janeiro, que fez O
Nacional e o Pasquim, além da turma da Caros Amigos.
“Minha turma, hoje, são vocês, que estão nesse tablado e
nesse auditório”, diz. “Nós que pensamos em como fazer informação e jornalismo
relevante nos dias de hoje. Meus heróis e inspiradores de outros tempos,
atualmente, estão na blogosfera”, exalta. O desafio, segundo ele, é como
transformar os blogs em jornalismo factual e reportagem. “Mesmo com o entrave
da falta de financiamento, temos que pensar como dar menos opinião e reportar
mais mais fatos, como a Agência Pública, a Fórum, o próprio Nassif, a Laura
Capriglione e o Paulo Nogueira estão fazendo. Como dar ‘um plus a mais’ em algo
que tem mostrado força e qualidade”.