A violenta desocupação do Pinheirinho, na cidade de São
José dos Campos, em 22 de janeiro deste ano, acaba de completar três
meses. Nesse período, houve muitos argumentos jurídicos e testemunhos da
truculência dos agentes públicos, policiais militares e guardas civis
metropolitanos, que atuaram na reintegração de posse. No entanto, entre
os personagens envolvidos na história, poucos estiveram tão próximos
quanto o defensor público Jairo Salvador.
Na Defensoria Pública do município desde 2007, no ano seguinte ele
passou a fazer parte do cotidiano das milhares de pessoas do
assentamento e participou ativamente das ações que buscaram a
regularização do local.
A partir de hoje, em uma série de quatro matérias produzidas para a Rede Brasil Atual,
o defensor traz detalhes sobre o que classifica como tecnologia do
terror contra populações carentes, as mentiras do poder público, quem
pode ser responsabilizado nos vários desmandos do caso, ações judiciais
individuais e coletivas, o destino das pessoas que moravam no
Pinheirinho e a luta ideológica para dizimar o movimento.
Nesta primeira parte da entrevista, ele denuncia as mentiras do
prefeito Eduardo Cury (PSDB) sobre a regularização do terreno e a
“relação promíscua” da prefeitura de São José dos Campos – por meio da
diretora de Desenvolvimento Social, Maria Quitéria de Freitas – com
“agentes provocadores” para expulsar os ex-moradores dos alojamentos em
que foram colocados após a desocupação. Confira também os vídeos nos
quais o defensor aborda os problemas encontrados no caso.
Quando começou seu envolvimento no Pinheirinho?
Com o movimento, foi em 2008, no segundo semestre. Até então, a
Defensoria fazia atendimentos individuais da comunidade, que ficava na
parte mais pobre de São José, a região sul. Entre final de 2008 e começo
de 2009, iniciamos um atendimento com o nosso Núcleo de Habitação e
Urbanismo para possibilitar a regularização do local. Entendemos que,
pelo tamanho da ocupação e a questão social urgente que havia, tínhamos
de ser parte ativa.
Mas houve um marco na mudança de relação da Defensoria com a ocupação, não?
Sim. Em 2010, quando da votação da lei de zoneamento da cidade,
levamos 11 reinvindicações para o debate e propusemos que a área fosse
mudada de Zona Industrial (ZI) para Zona Especial de Interesse Social
(ZEIS). Era o primeiro passo para regularizar, pois se o município
determina como ZEIS, fica claro que quem comprasse teria que fazer casa
para pobre. Não haveria interesse comercial e ficaria fácil para a União
ou o governo do Estado desapropriar e regularizar a situação.
Por que não ocorreu a mudança?
Foi uma grande discussão na cidade. E aí que está uma grande maldade.
O prefeito se comprometeu publicamente a mudar, tem documento público
assumindo isso, assinado pela chefia de gabinete dele (pela chefe de gabinete, Claude Mary de Moura) garantindo a alteração no zoneamento. Eles enganaram as pessoas.
Inclusive o prefeito, o Eduardo Cury (PSDB)?
Claro. O prefeito assumiu esse compromisso publicamente. Ele mentiu
para as pessoas que moravam no Pinheirinho. A prefeitura fomentou que
iria resolver a situação, encaminhar a mudança para regularizar, criou
uma grande expectativa.
Isso poderia ser cobrado na Justiça?

- (Foto: Maria Eugênia Sá e Vinicus Souza)
Sim, a Defensoria poderia cobrar, mas a União ou o governo do Estado
teriam de se posicionar muito claramente sobre o interesse na área. Se
isso ocorresse, poderíamos cobrar que o município cumprisse o que
prometeu.
Ainda sobre a atuação do poder público municipal, a saída das pessoas dos alojamentos foi tumultuada, não?
Muito. No final de fevereiro (dias 24 e 25) ainda havia pessoas nos
alojamentos do Vale do Sol e no Morumbi. Tinha uma conversa marcada com
os alojados no Vale do Sol, mas pessoas que classifico como agentes
provocadores tumultuaram, fizeram terrorismo psicológico, ameaçaram e
agrediram pessoas.
Quem seriam esses agentes?
Segundo ex-moradores do Pinheirinho, gente ligada ao crime
organizado, mas o que tenho certeza mesmo é que estavam aterrorizando as
pessoas. E havia gente do poder público que permitir que entrassem e
fizessem esse terrorismo.
Isso tudo caracteriza o quê?
Os crimes de ameaça, o terrorismo desses agentes provocadores, foram
de baixo potencial ofensivo. Em termos jurídicos, não daria em nada. Mas
existe uma conduta muito grave que é a conduta do agente público que
patrocinou a situação.
Quem é esse agente público?
É a Quitéria (Maria Quitéria de Freitas), diretora de Desenvolvimento Social da prefeitura. Ela é braço direito do secretário da área (João Francisco Sawaya de Lima).
Ela estava associada aos provocadores?
Eles estavam sob ordem e comando dela. Ela mandou pararem de fazer,
de aterrorizar, e eles pararam. Estavam de cochicho com ela, rindo
juntos. Falavam como velhos amigos.
Quais as providências jurídicas em relação?
Essa associação do poder público para oprimir pessoas em situação de
extrema vulnerabilidade é o cúmulo da crueldade. Passei para o promotor
do Ministério Público Estadual as denúncias, o carro em que essas
pessoas chegaram, a placa. Aliás, eles não fizeram questão de esconder
nada. A investigação do MP está em andamento, mas é sigilosa. Estou
cobrando ação.
E providências diretas sobre a Maria Quitéria?
Nos próximos dias, ela vai ser representada no conselho profissional
da categoria dela, o CRESS (Conselho Regional de Serviço Social do
Estado de São Paulo). Também estamos preparando uma ação civil pública
para cobrar respostas do poder público, Estado e município, e vamos
instruir esse material. Estamos sistematizando e coletando depoimentos
dos abrigados para instruir.Defensor público do Pinheirinho denuncia
prefeitura por mentiras e terrorismo contra desabrigados.
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