No dia 7 de dezembro de 2012, o todo-poderoso grupo
Clarín, que além do jornal de maior circulação da Argentina (e um dos
maiores da América do Sul) detém, na prática, um império de comunicações
no país, terá que começar a de desfazer de vários canais de televisão
aberta e a cabo, além de um bom punhado de emissoras de rádio. O grupo
tentou denunciar a nova legislação, aprovada por esmagadora maioria no
Congresso, mas acumulou derrotas, inclusive da Suprema Corte argentina.
O
artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno, de Buenos Aires
Buenos Aires - O prazo final foi
dado: dezembro. Ou, para quem aprecia precisão e detalhe, dia sete de
dezembro de 2012, uma quarta-feira. É quando o todo-poderoso grupo
Clarín, que além do jornal de maior circulação da Argentina (e um dos
maiores da América do Sul) detém, na prática, um império de comunicações
no país, terá de se enquadrar na nova legislação – ou seja, começar a
de desfazer de vários canais de televisão aberta e a cabo, além de um
bom punhado de emissoras de rádio. Num estranho neologismo, a questão é
tratada, na Argentina, como ‘desenvestimento’. Ora, na verdade a questão
é outra: o grupo terá de começar a se desfazer de um patrimônio que é
ilegal. Terá de abrir mão de concessões de licenças para operar rádio
AM, FM, televisão aberta e televisão fechada.
O grupo Clarín
tentou, de todo jeito, denunciar essa nova legislação – aprovada, aliás,
por esmagadora maioria no Congresso –, questionando sua
constitucionalidade e alegando que atingia o direito à liberdade de
expressão. A Suprema Corte disse que na nova legislação não há nenhum
cerceamento à liberdade de expressão.
Denunciar atentados à
liberdade de expressão cada vez que seus interesses empresariais são
ameaçados é característica dos grupos de comunicação que, na América
Latina, funcionam como grandes monopólios e, ao mesmo tempo, como
ferozes escudeiros do poder econômico. Cada vez que um desses grupos se
sente ameaçado, todos, em uníssono, denunciam que os governos estariam
fazendo aquilo que, na verdade, esses mesmos grupos praticam
descaradamente em seu dia a dia: o cerceamento à liberdade de expressão.
À diversidade de informação.
O caso do grupo Clarín é típico do
que ocorre em um sem-fim de países, a começar pelo Brasil, onde um
seleto punhado de quatro ou cinco famílias controla ferreamente a
distribuição de informação. Na Argentina, como no Brasil, esses
conglomerados de comunicação funcionam como a verdadeira oposição ao
governo. E não no sentido de vigiar, pressionar, denunciar erros e
desvios, mas de lançar mão de todas as armas e ferramentas, por mais
venais que sejam, para atacar qualquer governo que atente contra os seus
interesses e os interesses de determinado poder econômico, que os
monopólios das comunicações defendem movidos a ferro, fogo e ausência
total de escrúpulos.
Vale a pena recordar como atua o grupo
Clarín, fervoroso defensor do sacrossanto direito à liberdade de
expressão. Sua prática, na defesa desse credo, é no mínimo esdrúxula:
controla 56% do mercado de canais de televisão aberta e a cabo, e uma
parcela ainda maior das emissoras de rádio; manipula contratos de
publicidade impedindo que os anunciantes comprem espaço na concorrência;
e, como se fosse pouco, ainda briga na Justiça para continuar exercendo
o monopólio da produção e distribuição do papel de imprensa no país.
Não
se trata de discutir o conteúdo – incrivelmente manipulado, aliás – dos
meios de informação controlados pelo Clarín em todas as suas variantes.
Trata-se apenas e tão somente de discutir até que ponto é lícito que um
determinado grupo exerça semelhante controle sobre o volume de
informação que chega aos argentinos.
Diante desse quadro, é
fácil entender que o que fez o governo de Cristina Fernández de Kirchner
é, para o grupo Clarín, algo inadmissível. Afinal, além da intervenção
na fábrica Papel Prensa, fazendo com que o Estado assumisse o controle
da produção, distribuição e venda de papel a jornais e revistas, o
governo baixou uma lei, aprovada pelo Congresso, que dividiu o espaço da
transmissão de televisão aberta e fechada em três partes iguais.
Um
terço desse espaço permanece em mãos de grupos privados, como o próprio
Clarín. Outro terço passa a ser dividido entre emissoras públicas
(nacionais e estaduais), e o terço final passa a emissoras que estarão
sob controle da sociedade civil, através de organizações sociais. Quem
está atuando além desses limites terá de abrir mão de licenças e
concessões, que na Argentina – como no Brasil – são públicas.
Além
disso, quem for dono de canais abertos não poderá ser dono de
distribuidoras de canais a cabo numa mesma região. O grupo Clarín tem
superposição de canais abertos e fechados em Buenos Aires, Córdoba, Mar
del Plata e Bahía Blanca. Vai ter de escolher. Além disso, ao fundir
duas distribuidoras de canais a cabo, a Calevisión e a Multicanal,
estourou todos os limites de concessões estabelecidos pela lei (são
cerca de 225 canais em mãos do grupo, e isso, para não mencionar as
estações de rádio AM e FM).
A nova legislação foi questionada, é
claro, por várias corporações que foram e serão atingidos. A gigantesca
Telefônica espanhola, por exemplo, controla nove canais de televisão
aberta no país. Terá abrir mão de todos, a menos que aceite integrar
alguma cooperativa junto a organizações sociais.
Ninguém, em
todo caso, fez o estardalhaço que o grupo Clarín está fazendo. Há uma
explicação: o grupo decidiu partir, altaneiro, para o tudo ou nada.
Confiou no próprio poder e na fraqueza do governo.
Tropeçou feio:
Cristina Kirchner se reelegeu em 2011, e agora a Justiça decidiu que a
nova lei tem data, sete de dezembro de 2012, para que seja cumprida.
A fúria do Clarín é evidente e é compreensível. Fez todas as apostas erradas, e está perdendo uma por uma.
A
mais delicada dessas apostas foi a que fez no segundo semestre de 1976,
quando ganhou – na base de uma cumplicidade sórdida com a ditadura
militar que sufocava o país – o controle da produção e da distribuição
de papel de jornais e revistas na Argentina. Foi o auge de seu poder,
que agora começa a ser rapidamente minado. Já não há torturadores e
militares corruptos e sanguinários a quem recorrer. Restou recorrer à
Justiça. Foi quando o grupo começou a perder.
Dica de texto: Aparecido Araújo Lima
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