Não é de hoje que abordo como tema relevante da pauta nacional a questão da união homoafetiva, sempre buscando confrontar e equilibrar os princípios constitucionais envolvidos na questão. Nesse sentido, seria no mínimo negligência de minha parte silenciar em um momento como este, em que a Câmara Municipal de São Paulo aprova controverso projeto de lei que cria o dia do orgulho heterossexual.
O que importa, contudo, é denunciar comportamentos intolerantes que possam sugerir, estimular ou encampar opressões. E esse parece ser o caso da criação do dia do orgulho hétero.
É preciso frisar que nossa Constituição busca assegurar o direito de as minorias exercerem sua cidadania na plenitude. Nesse sentido, não pode a maioria, pelo simples fato de reunir o maior número de pessoas com a mesma opinião em dado assunto, suplantar o direito da minoria. Em linhas gerais, porque a maioria tem à sua disposição inúmeros instrumentos de fazer valer sua vontade, enquanto que a minoria não dispõe dos mesmos recursos de afirmação.
Do ponto de vista constitucional, portanto, faz todo o sentido a instituição de um Dia do Orgulho Gay, porque visa a preservar os espaços de exercício da cidadania da minoria gay a partir da afirmação da existência desse grupo de cidadãos, de suas bandeiras, lutas, dificuldades, enfim, de tudo o que possa reafirmar ao restante da sociedade que, em se tratando de minoria, a tendência é haver situações de opressão. O mesmo raciocínio vale para as minorias raciais, religiosas ou de pessoas com deficiências: nossa Carta Magna se destina a preservá-las.
Assim, a recorrente reação à criação do dia do orgulho hétero de dizer “se tem um Dia do Orgulho Gay, pode haver um do orgulho hétero” se transforma em retórica desprovida de sentido. Afinal, o orgulho é um sentimento positivo quando se trata da resistência da minoria, mas quando é o orgulho de forte transforma-se em massacre do fraco. À maioria recai a necessidade de ser humilde e tolerante, não orgulhosa.
Do ponto de vista estritamente jurídico formal, não há empecilhos à criação da data. Mas há que se pensar em seu conteúdo, altamente perverso e motivado por uma atitude beligerante da maioria em relação à minoria. Como bem ensina Norberto Bobbio, democracia é o regime que se caracteriza pela adoção de procedimentos de debate tolerante como substituto dos conflitos violentos entre os grupos sociais majoritários e minoritários. Nesse sentido, é o regime político que busca a paz como valor e meta maior.
Orgulho hétero é um não à tolerância com a minoria, é uma mensagem de guerra. Trata-se de reação desproporcional num momento em que essa mesma minoria obtém avanços na garantia dos seus direitos, com decisões favoráveis inclusive no Supremo Tribunal Federal.
O que se espera de um Poder Legislativo, seja ele municipal, estadual ou federal, é trabalhar pela inclusão e convivência pacífica entre os diferentes, garantindo a todos os direitos fundamentais expressos em nossa Constituição. Ao aprovar a criação do dia do orgulho hétero, a Câmara de Vereadores de São Paulo foi na contramão de um trabalho com essas qualidades.
Portanto, não há razão para o prefeito, Gilberto Kassab, titubear: embora legal, o projeto que cria o dia do orgulho hétero tem de ser vetado por atentar contra o interesse público, na medida que estimula a intolerância.
http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/colunas/52547/o+direito+das+minorias.shtml
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