Por Felipe Bianchi
A sigla PIG (Partido da Imprensa Golpista) não é exagerada. A
afirmação é de Laura Capriglione, integrante dos Jornalistas Livres, e do
professor Laurindo Leal Filho, o Lalo. Em debate no II Encontro de Blogueiros e
Ativistas Digitais de São Paulo, no sábado (25), ambos falaram sobre as
possibilidades para superar o cenário de monopólio midiático e democratizar os meios
de comunicação no país.
“Tenho um otimismo grande sobre esse momento histórico que
estamos vivenciando”, assinala Capriglione. “Há em curso uma revolução
tecnológica gigantesca e há, também, profissionais e ativistas com vontade de
fazer jornalismo, reportagem, fotografia, mesmo fora dos grandes veículos”.
Com passagens por grandes redações, como a do Estadão e a da
Veja, a jornalista opina que esse ambiente de contrainformação nasce quando os
movimentos sociais se dão conta de que manter uma assessoria de imprensa e
enviar releases para a grande mídia é inútil, pois suas portas estão fechadas.
“Primeiro, houve uma crítica feroz à mídia tradicional, que concebeu o apelido
PIG, pelo seu comportamento monolítico e partidarizado”, sublinha. “É aí, inclusive,
que surgem os chamados blogueiros sujos”.
Em um segundo momento, na avaliação de Capriglione, as
pessoas perceberam que havia um espaço fértil para contranarrativas. “Essa é a
novidade do momento que vivemos: se a Globo não publica, publicaremos nós. Os
movimentos sociais, os comunicadores desempregados, os artistas e as pessoas
que querem contar histórias passaram a usar a dinâmica das redes sociais para
disseminar informação”.
Os Jornalistas Livres surgem nesse contexto. “A experiência
do coletivo tem sido riquíssima nesse sentido”, avalia. Ela conta que, frente
aos atos dos dias 13 e 15 de março (o primeiro por parte dos movimentos sociais
e o segundo, contra o governo de Dilma Rousseff), foi decidido chamar uma
reunião para articular uma cobertura colaborativa. “No susto, convocamos todos
que estavam dispostos a contar o que aconteceria nessas manifestações. Reunimos
68 pessoas”, relata. “Hackeamos a lógica da mídia tradicional utilizando as
redes e transmitindo conteúdo por mídias sociais e pela nossa página”.
Avanços do ativismo digital, atraso na regulação da mídia
Os avanços do ativismo e da comunicação digital, na visão de
Lalo, contrasta com o recrudescimento do conservadorismo nos grandes meios de
comunicação. “Às vezes me sinto nos anos 1960, quando o cerco da mídia ao então
presidente João Goulart culminou no golpe militar”, diz. “A mídia trata Dilma
da mesma forma que tratava Jango e, por isso, a sigla PIG não é exagero. A
imprensa é golpista e está tentando derrubar Dilma, assim como tentou derrubar
Lula”.
Por mais ricas que sejam as experiências das mídias
alternativas – blogs, portais, redes e coletivos –, Lalo defende a regulação da
mídia como condição primordial para a democratização do setor. “Se antes
dizíamos 'reforma agrária na lei e na marra', hoje temos que exigir a 'reforma
agrária do ar' [em referência ao espectro radioelétrico, ocupado pelas
emissoras de radiodifusão] na lei e na marra. Na marra, estamos fazendo. Na
lei, não”.
Ele lembra pesquisa feita recentemente pela Secretária de
Comunicação da Presidência (Secom), que constatou a televisão como o principal
meio de informação da grande maioria da população. “Depois da TV, ainda vem o
rádio, que ninguém dá muita bola, mas que, em períodos eleitorais, tem papel
decisivo. Todas as grandes rádios comerciais fazem oposição sistemática às
políticas populares e aos movimentos sociais”, argumenta.
Por isso, Lalo defende uma política que combine esse avanço
das novas mídias com a democratização dos meios de comunicação. “Essa democratização
se dá em dois níveis: a lei de meios e o fortalecimento da comunicação
pública”, aponta. No caso da comunicação pública, ele destaca a criação da EBC
(Empresa Brasil de Comunicação) em 2007, mas lamenta a falta de projeção e
aporte de recursos para alavancar o projeto a ponto de representar uma
alternativa concreta “à Globo ou à Record”.
Em relação à lei de meios, o professor lamenta o atraso
brasileiro em relação não só a países europeus e aos Estados Unidos, mas também
aos vizinhos latino-americanos. “Estamos 80 anos atrasados em relação à Europa,
mas também ficamos para atrás em relação a nações como o Equador, a Venezuela,
a Bolívia, o Uruguai e a Argentina”, lista. “Todos esses países implantaram
regulações de forma a ampliar a liberdade de expressão. Aqui no Brasil, quando
falamos em regulação, já respondem que é censura. O debate não é fácil, mas
temos que enfrentá-lo”.
Além da regulação econômica do setor, mencionada por Dilma
Rousseff em sua campanha eleitoral, Lalo
frisa a importância de garantir conteúdos diversificados na mídia, o que só
acontecerá com um marco regulatório que vá além da proposta inicial da
presidenta. “A lei de meios implica na criação, por exemplo, de órgãos
reguladores que façam a mediação entre a sociedade e o setor da comunicação. Se
você se ofende com algo que vê na TV, hoje, não tem para quem reclamar”.
O modelo argentino é o principal exemplo a ser seguido,
avalia. O aspecto central, segundo ele, é o desmonte do monopólio privado,
dominado historicamente pelo grupo Clarín, no caso argentino. “A lei dividiu o
espectro radioelétrico em três partes: mídia privada, mídias públicas e
veículos comunitários”, explica. “Além de ampliar o mercado de trabalho, essa
política dá voz a setores antes invisibilizados pela mídia”.
No Brasil, 19 anteprojetos de lei para o setor já foram
elaborados desde a Constituição. Nenhum avançou. “Agora, nos cabe lutar pelo
Projeto de Lei da Mídia Democrática, de Iniciativa Popular. A ideia é
pressionar por uma mobilização e discussão nacional sobre o tema”, opina.